sexta-feira, agosto 31, 2007

De acabamentos em aberto




Le rêve est une construction de l'intelligence à laquelle le constructeur assiste sans savoir comment cela va finir.


Cesare Pavese



pindaro

quinta-feira, agosto 30, 2007

Soltar amarras




Écrire, c'est se cacher derrière les mots tout en se mettant à nu.

Claudine Paquet





pindaro

Declaração de amor













Esta é uma declaração de amor;
amo a língua portuguesa.
Ela não é fácil. Não é maleável.
E, como não foi profundamente trabalhada pelo
pensamento, a sua tendência é a de não ter sutileza
e de reagir às vezes com um pontapé contra
os que temerariamente ousam transformá-la
numa linguagem
de sentimento de alerteza.
E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro
desafio para quem escreve.
Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e
das pessoas a primeira capa do superficialismo.
Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado.
Às vezes assusta com o imprevisível de uma frase.
Eu gosto de manejá-la - como gostava de estar
montando num cavalo e guiá-lo pelas rédeas,
às vezes lentamente, às vezes a galope.
Eu queria que a língua portuguesa chegasse
ao máximo nas minhas mãos. e este desejo
todos os que escrevem têm.
Um Camões e outros iguais não bastaram para
nos dar uma herança de língua já feita. Todos nós
que escrevemos estamos fazendo do túmulo do
pensamento alguma coisa que lhe dê vida.
Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do
encantamento de lidar com uma língua que não foi
aprofundada. O que recebi de herança não me chega.
Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever
e me perguntassem a que língua eu queria pertencer,
eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como nasci
muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro
para mim que eu queria mesmo era escrever em português.
Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só
para que minha abordagem do português
fosse virgem e límpida

Clarice Lispector



pindaro

quarta-feira, agosto 29, 2007

Entre nuvens à beira-mar

























La solitude est un art.

Vilhelm Ekelund


pindaro

El pecado nació para escondido





Sólo en tí, Lesbia, vemos que ha perdido
el adulterio la vergüenza al cielo;
pues que tan claramente y tan sin velo
has los hidalgos huesos ofendido.

Por Dios, por ti, por mí, por tu marido,
que no sepa tu infamia todo el suelo;
cierra la puerta, vive con recelo;
que el pecado nació para escondido.

No digo yo que dejes tus amigos;
mas digo que no es bien que sean notados
de los pocos que son tus enemigos.

Mira que tus vecinos, afrentados,
dicen que te deleitan los testigos
de tus pecados más que tus pecados.


D. Francisco de Quevedo



pindaro

terça-feira, agosto 28, 2007

La mer








La mer fascinera toujours ceux chez qui le dégoût de la vie et l'attrait du mystère ont devancé les premiers chagrins, comme un pressentiment de l'insuffisance de la réalité à les satisfaire. Ceux-là qui ont besoin de repos avant d'avoir éprouvé encore aucune fatigue, la mer les consolera, les exaltera vaguement. Elle ne porte pas comme la terre les traces des travaux des hommes et de la vie humaine. Rien n'y demeure, rien n'y passe qu'en fuyant, et des barques qui la traversent, combien le sillage est vite évanoui ! De là cette grande pureté de la mer que n'ont pas les choses terrestres. Et cette eau vierge est bien plus délicate que la terre endurcie qu'il faut une pioche pour entamer. Le pas d'un enfant sur l'eau y creuse un sillon profond avec un bruit clair, et les nuances unies de l'eau en sont un moment brisées; puis tout vestige s'efface, et la mer est redevenue calme comme aux premiers jours du monde. Celui qui est las des chemins de la terre ou qui devine, avant de les avoir tentés, combien ils sont âpres et vulgaires, sera séduit par les pâles routes de la mer, plus dangereuses et plus douces, incertaines et désertes. Tout y est plus mystérieux, jusqu'à ces grandes ombres qui flottent parfois paisiblement sur les champs nus de la mer, sans maisons et sans ombrages, et qu'y étendent les nuages, ces hameaux célestes, ces vagues ramures.

Marcel Proust



pindaro

E o navio em cima do mar











Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.



Cecília Meireles





pindaro

segunda-feira, agosto 27, 2007

A sua água


O que ele amava nela era a sua água - como a de uma pedra preciosa. É afinal de contas o que é realmente amado numa mulher - não a baínha de carne que a reveste - mas a sua assinatura.
Lawrence Durrel
Lívia ou o enterrado vivo



Pindaro

domingo, agosto 26, 2007

Uma conversação de poucas perfias



"Entre outros homens que naquela companhia se achavam eram nela mais costumados, em anoitecendo, um Letrado que ali tinha um casal e que já tivera honrados cargos de governo da justiça na Cidade, homem prudente, concertado na vida, Doutor na sua profissão e lido nas histórias da humanidade; um Fidalgo mancebo, inclinado ao exercício da caça e muito afeiçoado às coisas da pátria, em cujas histórias estava bem visto; um Estudante de bom engenho, que, entre os seus estudos, se empregava algumas vezes nos da poesia; um velho não muito rico, que tinha servido a um dos Grandes da Corte, com cujo galardão se reparara naquele lugar, homem de boa criação, e, além de bem entendido, notavelmente engraçado no que dizia, e muito natural de uma murmuração que ficasse entre o couro e a carne, sem dar ferida penetrante.

Ao senhor da casa chamavam Leonardo, ao Doutor, Lívio, ao Fidalgo, D. Júlio, ao estudante, Píndaro, ao velho, Solino.

Fora estes havia outros de quem em seus lugares se fará menção, que, assim como os mais, não eram para enjeitar em uma conversação de poucas perfias."


Francisco Roíz Lobo
(Corte na Aldeia)




pindaro

sexta-feira, agosto 24, 2007

As jóias sonoras



A muito amada estava nua, e conhecendo-me o coração,
conservava apenas as suas jóias sonoras...


( Inscrição num vaso grego de tema obsceno,
citado por Marguerite Yourcenar)




pindaro

quarta-feira, agosto 22, 2007

Coisas efémeras que duram uma vida




Quels doux supplices
Quelles délices,
De brusler dans les flammes
De la beauté des Dammes.


Antoine Boesset






pindaro

quinta-feira, agosto 16, 2007

O ordenamento das relações








“Ser pedra é fácil, difícil é ser vidro”

proverbio chinês





pindaro

terça-feira, agosto 14, 2007

A proximidade e a lonjura



O vestígio é a manifestação de uma proximidade, por mais longe que possa estar o ser que o deixou.
A aura é a manifestação de uma lonjura, por mais próximo que possa estar aquilo que a evoca.
Com o vestígio apoderamo-nos da coisa, com a aura é ela que é senhora de nós.


walter benjamin





pindaro

Viagem



Lançamos o barco.
Sonhamos a viagem;
quem viaja é sempre o mar.


Mia Couto




pindaro

quarta-feira, agosto 08, 2007

Marinheiro









Vê como o verão
subitamente
se faz água no teu peito,

e a noite se faz barco,

e a minha mão marinheiro.



Eugénio de Andrade





pindaro

segunda-feira, agosto 06, 2007

Como se nelas pulsasse o vento





Palavras luminosas ditas devagar
como se nelas pulsasse o vento
ou ondulasse o mar. Palavras escritas
como quem sabe que nenhuma
sílaba pode ser perdida.
Nenhuma frésea ou alga ou luz ou sal
ou espuma.
Nenhuma consoante ou vogal
da vida.




manuel alegre
à poesia
de eugénio de andrade



pindaro

Um nome feito ao mar



Tive um barco e dei-lhe um nome
Dei-lhe um nome feito ao vento
dei-lhe um nome feito ao mar
Tive um amor e deixou-me
Ficou no meu pensamento
Mas não mais o vi voltar

Manuel L. M. de Andrade


pindaro

domingo, agosto 05, 2007

Faites vos jeux



Na vida, como no jogo, o primeiro prazer é ganhar, o segundo é perder.

J. Dantas



Pindaro

quarta-feira, agosto 01, 2007

Lançamento



O nosso verdadeiro lugar de nascimento é aquele onde lançamos pela primeira vez um olhar de inteligência sobre nós próprios.

Marguerite Yourcenar




pindaro