sábado, junho 30, 2007

Não toques, distância...




Não toques, distância, no seu cabelo molhado;
Não lhe mexas. Rosto puro, às aguas posto e preso,
Uma imagem será o seu único peso,
Um pensamento o único beijo que me há dado.

Que o Índico persiga o indício velado;
Decore o Mar Vermelho o forte rosto aceso -
Mas não para morrer: para menos desprezo;
E eu próprio fique em meu amor atenuado.

Oh! platónico amor de ninguém e de alguma,
Espectro que criei e rodeei de lágrimas,
Vénus ainda ao longe no aro da minha espuma!

Imagem, força de vontade, imagem
Viva ou morta, não sei; imagem acre... mas
Verdadeira e suave, isso mais que nenhuma!


Vitorino Nemésio


pindaro

Com água e com estrelas





Plena mulher, maçã carnal, lua quente,
espesso aroma de algas, lodo e luz pisados,
que obscura claridade se abre entre tuas colunas?
que antiga noite o homem toca com seus sentidos?
Ai, amar é uma viagem com água e com estrelas,
com ar opresso e bruscas tempestades de farinha:
amar é um combate de relâmpagos e dois corpos
por um só mel derrotados.
Beijo a beijo percorro teu pequeno infinito,
tuas margens, teus rios, teus povoados pequenos,
e o fogo genital transformado em delícia
corre pelos tênues caminhos do sangue
até precipitar-se como um cravo nocturno,
até ser e não ser senão na sombra de um raio.


Pablo Neruda




Pindaro

O sentido está guardado





Nunca eu tivera querido
Dizer palavra tão louca:
bateu-me o vento na boca
e depois no teu ouvido.

Levou somente a palavra,
deixou ficar o sentido.

O sentido está guardado
no rosto com que me miro,
neste perdido suspiro
que te segue alucinado,
no meu sorriso suspenso
como um beijo malogrado.

Nunca ninguém viu ninguém
que o amor pusesse tão triste.
Essa tristeza não viste,
e eu sei que ela se vê bem...
Só se aquele mesmo vento
fechou teus olhos, também...


Cecília Meireles



pindaro

Deram-se as bocas...







Andava a lua nos céus
Com o seu bando de estrelas

Na minha alcova
Ardiam velas
Em candelabros de bronza

Pelo chão em desalinho
Os veludos pareciam
Ondas de sangue e ondas de vinho

Ele, olhava-me cismando;
E eu,
Plácidamente, fumava,
Vendo a lua branca e nua
Que pelos céus caminhava.

Aproximou-se; e em delírio
Procurou avidamente
E avidamente beijou
A minha boca de cravo
Que a beijar se recusou.

Arrastou-me para ele,
E encostado ao meu hombro
Falou-me de um pagem loiro
Que morrera de saudade
À beira-mar, a cantar...

Olhei o céu!

Agora, a lua, fugia,
Entre nuvens que tornavam
A linda noite sombria.

Deram-se as bocas num beijo,
Um beijo nervoso e lento...
O homem cede ao desejo
Como a nuvem cede ao vento

Vinha longe a madrugada.

Por fim,
Largando esse corpo
Que adormecera cansado
E que eu beijara, loucamente,
Sem sentir,
Bebia vinho, perdidamente
Bebia vinha..., até cair.



Antonio Botto



pindaro

Puro som




Doce fantasma, por que me visitas
como em outros tempos nossos corpos se visitavam?
Tua transparência roça-me a pele, convida
a refazermos carícias impraticáveis: ninguém nunca
um beijo recebeu de rosto consumido.
Mas insistes, doçura. Ouço-te a voz,
mesma voz, mesmo timbre,
mesmas leves sílabas,
e aquele mesmo longo arquejo
em que te esvaías de prazer,
e nosso final descanso de camurça.

Então, convicto,
ouço teu nome, única parte de ti que não se dissolve
e continua existindo, puro som.
Aperto... o quê? a massa de ar em que te converteste
e beijo, beijo intensamente o nada.
Amado ser destruído, por que voltas
e és tão real assim tão ilusório?
Já nem distingo mais se és sombra
ou sombra sempre foste, e nossa história
invenção de livro soletrado
sob pestanas sonolentas.
Terei um dia conhecido
teu vero corpo como hoje o sei
de enlaçar o vapor como se enlaça
uma idéia platônica no espaço?

O desejo perdura em ti que já não és,
querida ausente, a perseguir-me, suave?
Nunca pensei que os mortos
o mesmo ardor tivessem de outros dias
e no-lo transmitissem com chupadas
de fogo aceso e gelo matizados.

Tua visita ardente me consola.
Tua visita ardente me desola.
Tua visita, apenas uma esmola.

Carlos Drummond de Andrade



pindaro

quinta-feira, junho 28, 2007

Namoram-se os elementos









O fogo que na branda cera ardia,
Vendo o rosto gentil que eu na alma vejo,
Se acendeu de outro fogo do desejo,
Por alcançar a luz que vence o dia.

Como de dous ardores se incendia,
Da grande impaciência fez despejo,
E, remetendo com furor sobejo,
Vos foi beijar na parte onde se via.

Ditosa aquela flama, que se atreve
A apagar seus ardores e tormentos
Na vista de que o mundo tremer deve!

Namoram-se, Senhora, os Elementos
De vós, e queima o fogo aquela neve
Que queima corações e pensamentos.



Luis de Camões




pindaro

quarta-feira, junho 27, 2007

Que um dia será




e me tomando devagar,
como o mar avança na praia,
como eu sei que tem que ser
e sei que um dia será.



Claudia Mrczac




pindaro

Nos aplasta caprichosamente











Esas olas verdes, mansas, esas espumas blanquecinas donde se mece nuestra pupila, van como rozando nuestra alma, desgastando nuestra personalidad, hasta hacerla puramente contemplativa, hasta identificarla con la Naturaleza.
Queremos comprender al mar, y no le comprendemos; queremos hallarle una razón, y no se la hallamos. Es un monstruo, una esfinge incomprensible; muerto es el laboratorio de la vida, inerte es la representación de la constante inquietud. Muchas veces sospechamos si habrá en él escondido algo como una lección; en momentos se figura uno haber descifrado su misterio; en otros, se nos escapa su enseñanza y se pierde en el reflejo de las olas y en el silbido del viento.
Todos, sin saber por qué, suponemos al mar mujer, todos le dotamos de una personalidad instintiva y cambiante, enigmática y pérfida.
En la Naturaleza, en los árboles y en las plantas, hay una vaga sombra de justicia y de bondad; en el mar, no: el mar nos sonríe, nos acaricia, nos amenaza, nos aplasta caprichosamente.


Pio Baroja







pindaro

terça-feira, junho 26, 2007

Por mais frutos que ele traga










Vem aí a Primavera
diz-me sempre a tua boca
depois do mais que me dera
o que vem é coisa pouca

Olha o Verão que já não tarda
diz-me à tarde o teu peito
por mais frutos que ele traga
não há nenhum tão perfeito

Oiço os passos do Outono
dizem-me à noite os teus braços
o que mais ambiciono
é ouvir só os teus passos

O Inverno há-de chegar
diz-me à noite a tua mão
quanto mais a mão esfriar
mais calor no coração

E dia a dia por nós
passam as quatro estações
têm sempre a tua voz
eu respondo-lhes depois


David Mourão-Ferreira



pindaro

Garras dos sentidos










Não quero cantar amores,
Amores são passos perdidos.
São frios raios solares,
Verdes garras dos sentidos.

São cavalos corredores
Com asas de ferro e chumbo,
Caídos nas águas fundas.
Não quero cantar amores.

paraísos proibidos,
contentamentos injustos,
Feliz adversidade,
Amores são passos perdidos.

São demência dos olhares,
Alegre festa de pranto,
São furor obediente,
São frios raios solares.

Da má sorte defendidos
Os homens de bom juízo
Têm nas mãos prodigiosas
Verdes garras dos sentidos.

Não quero cantar amores
Nem falar dos seus motivos.


Agustina Bessa-Luís


pindaro

Não quero saber da resposta





«A noite era uma possibilidade excepcional. Em plena noite fechada de um verão escaldante um galo soltou seu grito fora de hora e uma só vez para alertar o início da subida pela montanha. A multidão embaixo aguardava em silêncio.
Ele-ela já estava presente no alto da montanha, e ela estava personalizada no ele e o ele estava personalizado no ela. A mistura andrógina criava um ser tão terrivelmente belo, tão horrorosamente estupefaciente que os participantes não poderiam olhá-lo de uma só vez:
assim como uma pessoa vai pouco a pouco se habituando ao escuro e aos poucos enxergando. Aos poucos enxergavam o Ela-ele e quando o Ele-ela lhes aparecia com uma claridade que emanava dela-dele, eles paralisados pelo que é Belo diriam:
"Ah, Ah". Era uma exclamação que era permitida no silêncio da noite. Olhavam a assustadora beleza e seu perigo. Mas eles haviam vindo exatamente para sofrer o perigo.
(...)
Epílogo:
Tudo o que escrevi é verdade e existe. Existe uma mente universal que me guiou. Onde estivestes de noite? Ninguém sabe. Não tentes responder - pelo amor de Deus. Não quero saber da resposta. Adeus. A-Deus.»


Clarice Lispector





Pindaro

E na água














Nunca o Verão se demorara
assim nos lábios
e na água
- como podíamos morrer,
tão próximos
e nus e inocentes?




Eugénio de Andrade



pindaro

Não chega a ser mistério









A arte de perder não é nenhum mistério,
tantas coisas contém em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério

(...)

Perdi duas cidades lindas. E um império
que era meu, dois rios e mais um continente.
Tenho saudades deles. Mas não é nada sério.

Mesmo perder você (a voz, o ar etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.


Elizabeth Bishop



pindaro

quinta-feira, junho 21, 2007

Dos momentos perfeitos




O refúgio dos lobos é a gruta dos momentos perfeitos. Já dizia Ambrose Pierce que o Diabo é o dono de todas as coisas boas da mundo.


D. júlio

Os atavios do fado





La passion est cette forme de l'amour qui refuse l'immédiat, fuit le prochain, veut la distance et l'invente au besoin, pour mieux se ressentir et s'exalter.


Denis de Rougemont



pindaro


quarta-feira, junho 20, 2007

A elegância da pureza




La sainteté est aussi une tentation.
Jean Anouilh

pindaro

terça-feira, junho 19, 2007

Estratagemas e lances



Hâtons-nous de succomber à la tentation, avant qu'elle ne s'éloigne.


Epicure





pindaro

segunda-feira, junho 18, 2007

Le piquant



Le temps a fait succéder dans la galanterie le piquant du scandale au piquant du mystère.

Chamfort



pindaro

domingo, junho 17, 2007

Toute la place


Dans nos ténèbres, il n'y a pas une place pour la beauté. Toute la place est pour la beauté.

René Char





pindaro

quinta-feira, junho 14, 2007

Três anos é longe...


Sugestão de incêndio













alvos ramos de algas marinhas
rumores de alucinado cardume
pássaro e peixe em vôo único
e música de vastíssimo oceano

de um mergulho teu corpo age
sua natureza de sal e esponja
gravita sua substância de coral
na ciência submersa de meu corpo
e toda a sua revolta matéria
se acumula na carne e rebenta
em delírio de espuma e maresia

eis o meu fôlego te habitando
cumprindo sua viagem de ondas
sopra o vento em nuvens de areia
e escreve orgasmo na pele do mar

corpo de mulher orvalho e mergulho
tua chama engendra sol e continente
abriga orgasmo ventania colisão
e toda a substância que nos aquece
vem de tua fosforescente matéria
de tua severa sugestão de incêndio


floriano martins




pindaro

quarta-feira, junho 13, 2007

Fases que vão e que vêm




Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha

Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...


cecília meireles




pindaro

terça-feira, junho 12, 2007

C'est un privilège





Naviguer : c'est accepter les contraintes que l'on a choisies. C'est un privilège. La plupart des humains subissent les obligations que la vie leur a imposées.


Eric Tabarly


pindaro

O ventre da onda brava








Se eu fosse pintor pintava
De verde, verde e cinzento,
O ventre da onda brava
E os olhos cegos do vento
Só com essas duas cores
Talvez que a tinta ocultasse
Meu prazer, as minhas dores...
Tudo que me lês na face!
E, sob o feltro dos dedos
Poisando nas tuas ancas,
As ondas dos teus cabelos
De loiras ficavam brancas.
Nem sequer falas de gente!
Nem alegria nem mágoa.
Ou luar ou sol poente.
Corpo de cristal com água...
Em vez de carne, cerejas.
Legumes, em vez de peixe,
Antes que os meus lábios vejas
E, presos, um beijo os deixe.
Quem se lembraria então
Do poeta (ou do pecado)
Atirado para o chão
Como um fósforo apagado?

Pedro Homem de Mello



pindaro

E temos à vista o pecado mortal













Habituo-me a só pensar bem dos meus amigos, a confiar-lhe os meus segredos e o meu dinheiro; não tarda que me traiam. Se me revolto contra uma perfídia sou eu, sempre, a sofrer o castigo. Esforço-me por amar os homens em geral; faço-me cego aos seus erros e deixo, indulgente ao máximo, passar infâmias e calúnias: uma bela manhã acordo cúmplice. Se me afasto de uma sociedade que considero má, bem depressa sou atacado pelos demónios da solidão; e procurando amigos melhores, acho os piores.
Mesmo depois de vencer as paixões más e chegar, pela abstinência, a uma certa tranquilidade de espírito, sinto uma auto-satisfação que me eleva acima do próximo; e temos à vista o pecado mortal, a vaidade imediatamente castigada.
Como explicar que toda a aprendizagem de virtude dê origem a um novo vício?

August Strindberg




Pindaro

segunda-feira, junho 11, 2007

Sabes, Ninfa, porquê?




Não te darei ouriços espinhosos, sabes, Ninfa, por quê?
Porque receio que piquem esses teus dedos mimosos.



Diogo Bernardes




pindaro

Meus deuses

















Quem sou eu para falar de amor
Se o amor me consumiu até a espinha
Dos meus beijos que falar
Dos desejos de queimar
E dos beijos que apagaram os desejos que eu tinha

Quem sou eu para falar de amor
Se de tanto me entregar nunca fui minha
O amor jamais foi meu
O amor me conheceu
Se esfregou na minha vida
E me deixou assim

Homens, eu nem fiz a soma
De quantos rolaram no meu camarim
Bocas chegavam a Roma passando por mim
Ela de braços abertos
Fazendo promessas
Meus deuses, enfim!
Eles gozando depressa
E cheirando a gim
Eles querendo na hora
Por dentro, por fora
Por cima, por trás
Juro por Deus, de pés juntos
Que nunca mais



Chico Buarque de Holanda










pindaro

domingo, junho 10, 2007

Le secret




Ce qu'il y a de beau dans un mystère, c'est le secret qu'il contient et non la vérité qu'il cache.
Eric-Emmanuel Schmitt


pindaro

Navegação




Quero escrever até encontrar onde segregas tanto sentimento

Adélia Prado


pindaro

O peso e a medida




Aimer, c'est savourer, au bras d'un être cher,
La quantité de ciel que Dieu mit dans la chair...

Victor Hugo


pindaro

A arte do encontro


The summer night is like a perfection of thought.

Wallace Stevens



Pindaro

sábado, junho 09, 2007

Forward



Style is the mind skating circles around itself as it moves forward

Robert Frost


pindaro

La música callada


















Un prodigioso mágico sentido,
un recordar callado en el oído
y un sentir que en mis ojos sin voz veo.

Una sonora soledad lejana,
fuente sin fin de la que insomne mana
la música callada del toreo.


Rafael Alberti



Pindaro

Laços privados




Nunca quis saber da vida, foi a vida que quis saber de mim. Daí eu dever-lhe alguma fidelidade.
Malcom Lowry


pindaro

Para onde converge



Paisagem ousada, como a vêem as videntes em bolas de cristal. Aquele "Dentro" para onde converge o "Fora" das estrelas.

Clarice Lispector


pindaro

Y así tenerlas todas





Esperar junto a este mar (en el que nacieron las ideas)
sin ninguna idea. (Y así tenerlas todas).
Ser sólo la brisa en la copa del pino grande,
el aroma del azahar, la noche de orquídeas
en las calas olvidadas.

Sólo permanecer viendo el ave que pasa
y no regresa; quedar
esperando a que el cielo amarillo
arda y se limpie de relámpagos
que llegarán saltando de una isla a otra isla.
O contemplar la nube blanca
que, no siendo nada, parece ser feliz.
Quedar flotando y transcurriendo de aquí para allá,
sobre las olas que pasan,
como un remo perdido.
O seguir, como los delfines,
la dirección de un tiempo sentenciado.

Ser como la hora de las barcas en las noches de enero,
que se adormecen entre narcisos y faros.
Dejadme, no con la luz del conocimiento
(que nació y se alzó de este mar),
sino simplemente con la luz de este mar.
O con sus muchas luces:
las de oro encendido y las de frío verdor.
o con la luz de todos los azules.

Pero, sobre todo, dejadme con la luz blanca,
que es la que abrasa y derrota a los hombres heridos,
a los días tensos, a las ideas como cuchillos.
Ser como olivo o estanque.
Que alguien me tenga en su mano como a un puñado de sal.
O de luz.

Cerrar los ojos en el silencio del aroma
para que el corazón —al fin— pueda ver.
Cerrar los ojos para que el amor crezca en mí.
Dejadme compartiendo el silencio
y la soledad de los porches,
la hospitalidad de las puertas abiertas; dejadme
con el plenilunio de los ruiseñores de junio,
que guardan el temblor del agua en las últimas fuentes.
Dejadme con la libertad que se pierde
en los labios de una mujer


Antonio Colinas




Pindaro

O brilho e o gume



A cara é o espelho da alma e os olhos os seus delatores
Cícero


pindaro

Buena cuenta




Tomar las cosas demasiado en serio nunca trae buena cuenta.
Camilo José Cela



pindaro

Há uma feição atiçante



Avec la maigreur qui plaît à l`indécence...
Francis Ponge



Pindaro

O vestígio e a aura




















O vestígio é a manifestação de uma proximidade, por mais longe que possa estar o ser que o deixou.
A aura é a manifestação de uma lonjura, por mais próximo que possa estar aquilo que a evoca.
Com o vestígio apoderamo-nos da coisa, com a aura é ela que é senhora de nós.


Walter Benjamin


pindaro

Modelar a alma



Perdia a disponibilidade para o extraordinário, que é a obra de modelar a alma.
Agustina Bessa-Luís



pindaro

Boquilíngua







Sugar e ser sugado pelo amor
no mesmo instante boca milvalente
o corpo dois em um o gozo pleno
que não pertence a mim nem te pertence
um gozo de fusão difusa transfusão
o lamber o chupar e ser chupado
no mesmo espasmo
é tudo boca boca boca boca
sessenta e nove vezes boquilíngua.



Carlos Drummond de Andrade


pindaro

sexta-feira, junho 08, 2007

Gostar muito de ti













Foi sobre a relva orvalhada
pelo frescor de um riacho,
quando o sol obliquava
e em volta era tudo selva,
que eu comi uma pantera
escura, feroz, inglesa,
com o cheiro de violetas
debaixo dela e de mim.

(Fulva para quem quiser
modas pré rafaelistas,
a pantera! Tanto faz!
Ou morena. Convenção
como convém a uma inglesa
convencional, de ocasião.)

E quando nos despedimos
– era noite, havia estrelas –
disseste com essa fleuma
que tão mal me fica a mim:
– I'll see you later. Do come.
Vem amanhã tomar chá.
Eu gostar muito de ti.




Ruy Cinatti






pindaro

Anjo





Sou anjo, sou demónio
Sou ardente, sou premente

Sou alimento, sou vida
Sou encontrada, sou perdida

Sou espaço, sou atalho
Sou húmida, sou orvalho.

Sou fêmea,
Sou deste jeito...

Colar de pernas feito

Preso
Atado

À volta do teu peito!


Joana de Sá





pindaro

Instante fugidío






Visto que o passado morreu e o futuro é representado apenas pelo medo e pelo desejo - que é então este instante fugidio e não mensurável a que é impossível escapar?


Lawrence Durrel

Clea



pindaro

quinta-feira, junho 07, 2007

Servir-se da distância




Sabe que precisa de saber servir-se da distância; as qualidades perdem o seu esmalte se se mostrarem demasiado e a fantasia alcança mais longe que a vista.


Umberto Eco




pindaro

Il coule, et nous passons




Aimons donc, aimons donc ! de l'heure fugitive,
Hâtons-nous, jouissons !
L'homme n'a point de port, le temps n'a point de rive ;
Il coule, et nous passons !

Lamartine
pindaro

Al amanecer







Al amanecer,
el mundo me besa
en tu boca, mujer.

Juan Ramon Jimenez



pindaro

Un recuerdo






La rosa, la rosa pura.
Quiero mandarte la pura rosa.
La que no tiene símbolo ni signo.
la que no pese
porque recuerda un recuerdo.


Pedro Salinas


pindaro

Yo te sufrí














Amor de mis entrañas, viva muerte,
en vano espero tu palabra escrita
y pienso, con la flor que se marchita,
que si vivo sin mí quiero perderte.

El aire es inmortal. La piedra inerte
ni conoce la sombra ni la evita.
Corazón interior no necesita
la miel helada que la luna vierte.

Pero yo te sufrí. Rasgué mis venas,
tigre y paloma, sobre tu cintura
en duelo de mordiscos y azucenas.

Llena pues de palabras mi locura
o déjame vivir en mi serena
noche del alma para siempre oscura.


Frederico Garcia Lorca



pindaro